Deixamo-nos guiar por nossas paixões, e elas derivam dos tesouros que colhemos em nossa seara. Dos tesouros imaginamos advir nossa honra. Vestimo-nos de ouro e exigimos ser cultuados. Sim, o brilho incessante das pedras e metais que recobrem nossas vestes são a expressão máxima de nossa posição e poder. Cultuar-nos é honraria não humilhação.
E esse cultuar tem como paga a nobreza da presença. As ações devem descrever a excelsior majestade do ser. Os passos medidos, movimentos delicados e sensíveis. Modos, palavras. Tudo em harmonia com a majestade do possuidor do cetro de poder almejado e alcançado.
Mas quanto disso deriva das vozes dos demônios permitidos, e quanto deriva da inspiração divina? Pouco, talvez da inspiração. Davi, nu de suas vestes dançava quando se carregava a arca à sua cidade, e foi questionado sobre como um rei poderia ter um comportamento tão imoral. Ele lembrou que dançava celebrando a vida e as inspirações de Deus e não a própria majestade.
Os louros e tesouros que colhemos têm que nos ser libertações e não amarras. Devemos depreender deles a sabedoria segundo a qual são passageiros e não nos definem. Por eles temos a capacidade de aumentar a nossa força para fazer a justiça e garantir um mundo melhor. Por eles temos que tornar-nos melhores que antes. Os tesouros que nos tornam piores não são tesouros mas penas que nos açoitam para que percebamos o abismo que nos separa da inspiração fundamental.
Esta talvez seja a primeira e mais importante pedra da sabedoria que colhemos durante a nossa existência. Vivemos em uma luta incansável sobre o que somos, se barro ou se sopro. Por um lado nosso barro externa aquilo que somos pois por ele somos perceptíveis. Invólucro de nossa alma, nosso corpo é a matéria que nos faz sermos percebidos no mundo em que vivemos. Evidentemente ele por si tem imenso valor. Adorná-lo é tornar mais palatável e prazeirosa a presença. Por outro lado, sopro é o que nos faz sermos além do débil barro, que se encerra em si. Pelo barro, a formosa fronte se torna lógica e amável. A harmonia é combinar o prazeroso e o amável e através deles romper o silêncio dos becos da memória.
Deus fez-nos assim e, portanto, essa dualidade é divina. Por ela somos mosaico e, como tal, escrevemos a história que nos marcará durante essa passagem por aqui. É inegável que nos entregamos ao prazer e ao amor, vinculando-nos ao barro e ao sopro, mas precisamos compreender de onde vem a inspiração de Deus que nos guia rumo à sabedoria que nos fará retornar à fonte. Ela vem, indubitavelmente, do sopro. O barro nos mantém vivos para que tenhamos a inspiração, mas a percepção e compreensão, assim como a solidificação da sabedoria se dá na cabeceira do leito do sopro.
Isso é importante de ser compreendido pois, voltando ao exemplo de David, precisamos entender que não há vergonha ou desonra em usar o barro para celebrar a alegria da percepção e graça da inspiração ao sopro. Isso é tão humano quanto amar, ter fome, encantar-se e instristercer-se. Deus é um partícipe e, como tal, convive, tem prazer e ama, celebrando a nossa celebração. Os modos nobres nos fazem sermos humanamente respeitados e não há como negar que essa é uma experiência necessária. Mas tudo tem o seu momento e precisamos, muitas vezes, rasgar as nossas vestes e dançarmos para celebrarmos a entrada da arca da sabedoria em nossas cidades. Não há vergonha nisso pois é a expressão pontual da dualidade pendendo à sua porção sopro o que denota a presença da voz do homem em sua cadeira de balanço, entremeando sua sabedoria com o doce mel de seu sorriso.
Sempre haverá os críticos e aqueles que se envergonham de nossa celebração. Precisamos levar em conta dois pontos fundamentais: primeiro a celebração é, naquele momento único, um evento de seu sopro que se percebe partícipe da origem e, portanto, é algo privado seu. A partir daquele momento torna-se uma experiência coletiva pois implica num pertencimento a um novo mundo mas, ali, naquele sagrado momento, é uma comunhão particular. Além disso, aquela celebração, mesmo particular, está inserida em um mundo terreno e expressa a majestade da sacralidade humana e, portanto, pode despertar pelo exemplo, alegrias como tais.
Somos seres celestiais pois habitamos um mundo cercado de céus. Aqui, duais, aprendemos cotidianamente e sempre há mais a saber. Celebrar como celebram as crianças é deixar a besta ser domada pela centelha que nos define. Não há vergonha pois não há sacralidade maior que celebrar a inspiração divina.
Filho por mais que eu preste atenção eu não consigo entender,será que eu sou ignorante demais?