Dia 92 – Celebrando a Vida

dança
 
2 Samuel, 6:20-22 – Então Davi voltou para abençoar a sua casa; e Mical, filha de Saul, saiu a encontrar-se com Davi, e disse: Quão honrado foi o rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem pejo se descobre um indivíduo qualquer. (21) Disse, porém, Davi a Mical: Perante o Senhor, que teu escolheu a mim de preferência a teu pai e a toda a sua casa, estabelecendo-me por chefe sobre o povo do Senhor, sobre Israel, sim, foi perante Senhor que dancei; e perante ele ainda hei de dançar. (22) Também ainda mais do que isso me envilecerei, e me humilharei aos meus olhos; mas das servas, de quem falaste, delas serei honrado.

 
 

Deixamo-nos guiar por nossas paixões,  e elas derivam dos tesouros que colhemos em nossa seara. Dos tesouros imaginamos advir nossa honra.  Vestimo-nos de ouro e exigimos ser cultuados. Sim, o brilho incessante das pedras e metais que recobrem nossas vestes são a expressão máxima de nossa posição e poder. Cultuar-nos é honraria não humilhação.

 

E esse cultuar tem como paga a nobreza da presença.  As ações devem descrever a excelsior majestade do ser.  Os passos medidos, movimentos delicados e sensíveis.  Modos, palavras. Tudo em harmonia com a majestade do possuidor do cetro de poder almejado e alcançado.

 

Mas quanto disso deriva das vozes dos demônios permitidos,  e quanto deriva da inspiração divina? Pouco, talvez da inspiração. Davi,  nu de suas vestes dançava quando se carregava a arca à sua cidade, e foi questionado sobre como um rei poderia ter um comportamento tão imoral.  Ele lembrou que dançava celebrando a vida e as inspirações de Deus e não a própria majestade.

 

Os louros e tesouros que colhemos têm que nos ser libertações e não amarras. Devemos depreender deles a sabedoria segundo a qual são passageiros e não nos definem. Por eles temos a capacidade de aumentar a nossa força para fazer a justiça e garantir um mundo melhor. Por eles temos que tornar-nos melhores que antes. Os tesouros que nos tornam piores não são tesouros mas penas que nos açoitam para que percebamos o abismo que nos separa da inspiração fundamental.

 

Esta talvez seja a primeira e mais importante pedra da sabedoria que colhemos durante a nossa existência. Vivemos em uma luta incansável sobre o que somos, se barro ou se sopro. Por um lado nosso barro externa aquilo que somos pois por ele somos perceptíveis.  Invólucro de nossa alma, nosso corpo é a matéria que nos faz sermos percebidos no mundo em que vivemos.  Evidentemente ele por si tem imenso valor. Adorná-lo é tornar mais palatável e prazeirosa a presença.  Por outro lado, sopro é o que nos faz sermos além do débil barro, que se encerra em si. Pelo barro, a formosa fronte se torna lógica e amável. A harmonia é combinar o prazeroso e o amável e através deles romper o silêncio dos becos da memória.

 

Deus fez-nos assim e, portanto,  essa dualidade é divina. Por ela somos mosaico e, como tal, escrevemos a história que nos marcará durante essa passagem por aqui.  É inegável que nos entregamos ao prazer e ao amor, vinculando-nos ao barro e ao sopro, mas precisamos compreender de onde vem a inspiração de Deus que nos guia rumo à sabedoria que nos fará retornar à fonte. Ela vem, indubitavelmente,  do sopro.  O barro nos mantém vivos para que tenhamos a inspiração, mas a percepção e compreensão, assim como a solidificação da sabedoria se dá na cabeceira do leito do sopro.

 

Isso é importante de ser compreendido pois, voltando ao exemplo de David,  precisamos entender que não há vergonha ou desonra em usar o barro para celebrar a alegria da percepção e graça da inspiração ao sopro. Isso é tão humano quanto amar, ter fome, encantar-se e instristercer-se. Deus é um partícipe e, como tal, convive, tem prazer e ama, celebrando a nossa celebração. Os modos nobres nos fazem sermos humanamente respeitados e não há como negar que essa é uma experiência necessária. Mas tudo tem o seu momento e precisamos, muitas vezes,  rasgar as nossas vestes e dançarmos para celebrarmos a entrada da arca da sabedoria em nossas cidades.  Não há vergonha nisso pois é a expressão pontual da dualidade pendendo à sua porção sopro o que denota a presença da voz do homem em sua cadeira de balanço,  entremeando sua sabedoria com o doce mel de seu sorriso.

 

Sempre haverá os críticos e aqueles que se envergonham de nossa celebração.  Precisamos levar em conta dois pontos fundamentais: primeiro a celebração é,  naquele momento único, um evento de seu sopro que se percebe partícipe da origem e, portanto,  é algo privado seu. A partir daquele momento torna-se uma experiência coletiva pois implica num pertencimento a um novo mundo mas, ali, naquele sagrado momento, é uma comunhão particular. Além disso, aquela celebração,  mesmo particular, está inserida em um mundo terreno e expressa a majestade da sacralidade humana e, portanto,  pode despertar pelo exemplo, alegrias como tais.

 

Somos seres celestiais pois habitamos um mundo cercado de céus.  Aqui,  duais, aprendemos cotidianamente e sempre há mais a saber. Celebrar como celebram as crianças é deixar a besta ser domada pela centelha que nos define. Não há vergonha pois não há sacralidade maior que celebrar a inspiração divina.

 
Devemos, sim, ter um comportamento social pois somos seres sociais. Mas tudo isso é secundário, pois a primariedade nasce naquele momento de concepção de Deus, quando olha o débil barro e sopra-lhe as narinas. Antes de sermos seres sociais, somos carreadores da centelha divina e celebrar isso, é retornar ao início de tudo. 
 
Nenhuma alegria, se espontânea, é vergonhosa. Somos quem somos pois viemos de um mesmo sopro. 
 

 

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